Houve uma época quando era menino, meu avô materno veio morar com a gente. Não entendia bem época o porquê e tirando a parte que virei um fumante passivo o resto era bem legal. Ter o avô por perto era sempre motivo de proteção e me lembro de ter apanhado menos dos meus pais na época por conta das minhas artes de menino.
Na
época do frio gostava que meu avô fizesse seu famoso “sopão”. Era uma sopa de
macarrão, salsinha, cebola, tomate, cenoura e batata, num caldo, alias
muito caldo muito fino, onde quase tudo boiava, mas era delicioso.
Meu
avô era um homem muito inteligente, era advogado, profissão que sigo hoje por
sua influência. Sempre via meu avô lendo, fazendo palavras cruzadas e vendo
filmes de bang-bang. Às vezes ele ficava acordado de madrugada,
porque segundo ele era quando passava os melhores filmes.
Talvez
a maior de suas virtudes fosse sua paciência e compaixão. Não me lembro de ter
visto meu avô irritado com algo ou alguém, ele sempre tinha uma palavra esperançosa
e amorosa pra dar. Quando me sentia mal ou angustiado com algo ele sempre tinha
uma palavra para me animar, para levantar o astral e mostrar que a vida sempre
tem seu lado bom e que tudo tem um sentido.
Ele
foi morar na sua própria casa, mas mesmo assim costumava passar na minha casa uma
vez por semana quando ia para o centro espírita. Quando ele abria o portão e escutava
ele entrar gritava: - Bença Vô. E ele respondia Deus te abençoe “campeão”. Era
o modo como ele me chamava. Na época não entendia muito o porquê. Na minha
infância até minha adolescência nunca consegui ganhar nada nos esportes que
disputava. No futebol era reserva, no vôlei não tinha idade, nos outros nem se
fala. A única exceção foi uma medalha de ouro na natação que competi com três
meninos certa vez. Nunca tinha sido campeão de nada para que ele usasse aquele
termo comigo.
Na
realidade ele que era meu campeão. Certa vez a casa dele foi roubada. Levaram
talvez as duas coisas de maior valor que ele tinha, com exceção de
sua maquina de escrever. Levaram sua TV e seu vídeo cassete. Lembro que fui até
a casa dele e fiquei tentando investigar o crime, como nos filmes que assistia,
para ver se achava pistas do criminoso.
Meu
avô era advogado dativo na cidade. Na época não havia defensoria pública e o
Estado pagava para advogados defenderem causas de pessoas carentes e criminosos
que precisavam de advogados. Assim meu avô conhecia muita gente na cidade, além
de conhecer muitos policiais, os quais acabaram achando o bandido que o havia
roubado. Também acharam a TV e o vídeo cassete.
E
por incrível que pareça quem foi nomeado o advogado dativo do criminoso? Pois
é, meu avô! Eu fui com ele até a delegacia no dia em que ele foi buscar a TV e
vídeo cassete. Meu avô tinha uma VW/Variante que ele chamava de “Gabriela” e eu
adorava andar com ele naquele carro.
Chegando
na delegacia meu avô pediu para falar com o criminoso e eu fiquei ao seu lado.
Lembro que meu avô perguntou a ele: - se sabia quem ele era? E ele respondeu
com outra pergunta: - meu advogado? Meu avô disse que sim, e perguntou se ele
sabia quem ele havia roubado. Ele disse que não. Então meu avô disse que ele
havia lhe roubado. O rapaz ficou surpreso e pediu desculpas. Meu avô disse: -
eu te perdoo, porém não poderei ser seu advogado. Então meu avô passou a fazer
um belo discurso dizendo aquele rapaz que procurasse Deus, que parasse de fazer
aquelas coisas, que ele era uma rapaz novo e tinha muita vida pela frente.
Lembro que o rapaz chorava muito.
Depois
saímos de lá e lembro que meu avô sorriu pra mim e disse: - não devemos tratar
na mesma moeda as pessoas, não se combate ódio com ódio, raiva com raiva, a
essas pessoas devemos dar o nosso melhor, devemos dar amor. Lembre-se disso
filho. Eu nunca esqueci isso. Por isso ele era meu campeão.
E
se espelhando no meu campeão escolhi a mesma profissão do meu avô. Iniciei o
curso de direito em uma faculdade particular e até o final do primeiro ano meu
pai pagava a faculdade. Foi quando começamos a enfrentar problemas financeiros.
A empresa do meu pai faliu e sai pra procurar emprego. Porém as dividas na
faculdade perduravam e a vontade de estudar era maior que tudo.
Um
amigo me disse que a faculdade tinha alguns estagiários bolsistas e me deu a
dica para procurar uma dessas vagas. Quando fui falar com uma das coordenadoras
desse estágio disso a ela que se fosse necessário lavar banheiro da faculdade
eu lavaria, mas que ela deixasse eu estudar. E foi assim que consegui minha
bolsa de estudos na faculdade.
Bolamos
em família a ideia de fazer mini-pizzas congeladas para aumentar a renda. Fazíamos
a massa e recheávamos nos finais de semana e entre as horas vagas de estudo e
trabalho eu saia pra vender numa moto que compramos.
Assim
consegui me formar e me tornar advogado logo no primeiro exame da OAB que fiz.
E sabe aquele apelido “campeão” usado pelo meu avô? Hoje eu consigo entender o
significado dele. Porque as vezes não vencemos apenas nos esportes, mas
vencemos na vida.